Faz um mês que não escrevo nada aqui no blogue, o que, tendo em conta que já só faltam outros quatro para me ir embora de Paris, é muito triste. Este post vai ser curto porque não tenho internet no quarto - desde quinta-feira passada que venho aos calabouços da maison, cave com decoração de sessenta e luzes de tecto onde a Sté e a Helena gostam de estudar, ligar o computador à tomada e espreitar o email.
Para além da falta de internet, tive bons motivos que não me deixaram tempo para escrever - entre a ida a Itália com a Carolina, a vinda da Maria João e do Mário e, na última semana, dos meus pais e da Bia, tenho andado muito e bem ocupado.
Adieu, les enfants.
No dia 31 de Março, terminou o estágio de Pediatria. Fiquei com pena, porque me tinha afeiçoado às pessoas do serviço e também às crianças, que são um milhar de vezes mais adoráveis que os cardíacos rezingões - no disrespect - com que agora lido no meu novo serviço.
Vendo bem as coisas, adorei os três meses que ali passei, e embora tenha consciência de que não sou a pessoa perfeita para lidar com os putos e os pais, a especialidade é deveras interessante e não está nada posta de parte. Quem sabe?
As últimas semanas do estágio foram passadas na pediatria A, novamente com os miúdos mais velhos e as visitas de terça-feira com o PH, que correram bem. Na última sexta-feira de Março, apresentei o meu caso clínico - a Anaëlle - perante todos os chefes, internos e externos, e no final o chefe de serviço voltou-se para as pessoas e disse 'gostava agora de ver um dos teus colegas franceses a fazer o mesmo que acabaste de fazer, mas em Português'. Engoli a baba toda e fingi que não era comigo, mas na segunda-feira seguinte, quando fui buscar o papel da avaliação e constatei que fui o externo com melhor nota no estágio - mais até que os meus colegas franceses, o que foi francamente exagerado -, tive um pequeno momento 'full circle', como se tivesse sido o underdog numa season de seis meses do Survivor e de repente tivesse ganho o jogo. Bem sei o que sofri naqueles primeiros tempos com a Anne-Cécile e o Xavier, e pensar que depois de meio ano consegui, por um instante, dominar a situação e sair por cima, reconfortou-me o ego.
Mas não passou disso, porque na quinta-feira seguinte já estava a começar o estágio de Cardiologia.
Que grande merda.
Passar da organização escrupulosa do serviço de Pediatria, onde, segundo o PH, 'on rate des tumeurs cérébrales à cause des courbes de poids qui ne sont pas bien faites par l'externe', foi como passar da primeira classe da british com direito a 30 kg de bagagem para um avião superlotado da vueling, onde a bagagem de mão já não cabe na cabine e tem de ser recambiada para o porão - I've been there.
Isto tudo para não utilizar mais uma vez a palavra bordel.
Logo no primeiro dia, a Dominique - que é a enfermeira que se ocupa de tudo o que é tarefa de secretário naquele serviço - fez-nos uma visita guiada, apontando muito inespecificamente para os sítios onde supostamente estavam as coisas. Por exemplo, quando nos quis mostrar onde estava o stock de patches para os ECG, entrou no armazém e apontou para uma estante que ia até ao tecto e tinha uma enormidade de coisas, abanou as mãos e disse 'estão por ali, desemerdem-se'.
A organização é, porém, um pormenor de somenos. A verdade é que, começando pelos meus colegas externos, que são demasiado sérios e pouco acessíveis, passando pelos chefes de clínica que nunca estão connosco e acabando no facto de que simplesmente não sei interpretar um ECG - problema que está calma mas prontamente a ser resolvido -, nada até agora me faz pensar que vá gostar deste estágio sequer 30% do que gostei do de Pediatria. Mas ainda estamos no início, certo? Pode ser que as coisas mudem.
Os highlights da primeira semana do estágio incluem a quinta-feira passada, em que, às 10 da manhã, me informaram de que teria de fazer uma apresentação em powerpoint no grande staff do serviço, exactamente uma hora mais tarde, com cardiologistas de fora do hospital que vêm de propósito assistir, sobre o caso da Madame Selechowski (sp?), que estava com um bloqueio AV de 3º grau e fazia assistolias de 20 segundos até lhe terem metido um pacemaker em urgência. Se uma situação destas me tivesse acontecido no meu primeiro estágio em França, provavelmente teria (a) arranjado forma de me esconder, ou (b) inventado uma caganeira súbita, ou (c) abandonado o barco.
Mas felizmente a história da senhora não era muito complicada e eu consegui fazer 10 slides naquela hora. Também por um feliz acaso não me pediram para interpretar nenhum ECG post-PM em frente a toda a gente durante o staff, o que teria sido uma catástrofe. Safei-me por um triz e a apresentação até correu bem, mas a partir de agora tenho de me preparar melhor.
Entretanto, foi também nessa quinta-feira que descobri que não sou o único Erasmus do serviço, uma vez que nesse dia a Rosa Maria regressou das suas férias de uma semana em Itália, exactamente oito dias depois de o estágio ter começado. É o primeiro estágio a sério da RM, porque o primeiro foi endocrinologia, onde ela tinha um paciente por dia, e o segundo foi Anatomia Patológica, onde os pacientes dela eram as amostras de tumores hipofisários que ela via ao microscópio.
Fiquei contente por termos mais um externo, já que até então tinha 6 pacientes à minha conta e sabia que iria ser difícil dar conta do recado, mas por outro lado receio que os próximos três meses da vida da Rosa Maria não sejam muito fáceis, pelo que vou tentar ajudá-la o melhor possível. Ainda por cima com externos como o Pierra-Alain, que hoje de manhã me disse, com uma ganda lata, 'Pedro, uma vez que não tenho mais nada para fazer hoje e já acabei de ver todos os meus doentes, vou pegar nos ECGs dos teus pacientes e tentar interpretá-los', isto depois de eu lhe ter dito que não havia nada de especial nos ECGs, porque já tinha lido a interpretação nos dossiês respectivos eu sou mesmo, digamos que, um deus do ECG, e não gosto que me contradigam. Ahem.
Xii, o que por aí vem.
Estava a ver que não falavas nas nossas divertidissimas férias. Sim, até granizo apanhamos na Disney depois de me terem obrigado a andar de cabeça para baixo a imitar o indiana jones, mas o que é certo é que foi espectacular!(mesmo tendo visto a morte a 5 cm no space mountain!!!)Até sonho com falafel, crepes de açúcar e canela, pain au chocolat, moules e des frites...Tenho saudades, vê se escreves mais! Beijinhos MJ