O chão vai de menos a mais infinito e é feito de uma miríade de quadrados que mais não são do que outros tantos rectângulos coloridos de preto e de branco. O mosaico que se forma espelha as alternâncias do espírito e o reflexo das luzes da rua transforma-se em vozes altas e pujantes, gritos líquidos, barcos num rio.
Eu não tenho ninguém à minha espera.
As casas estão apagadas, vazias de gente ou de quem se queira acusar, como se não delas viesse a alvura que encandeia as águas e as dilui, fotão a fotão. São castelos que raiam novas altitudes e sobrevoam negros abismos, crateras fundas.
Daqui, da outra margem, vejo cães que fulminam ausências e desejam torpes massas ou duros ventos. Qualquer coisa.
Das chaminés sai vapor d'água e a chuva ebulida cai sobre o ébano dos cabelos e o livro dos retratos. O som que inspiro é seco, fecha-me as vias, faz-me roxo como a vela que o lençol apagou e transpira de mim vagas e cristas e muitas areias.
A água está fria.
Escrevi isto há muito tempo.
Hoje, quando tenho o ar gelado da manhã a entrar-me pelas narinas e caminho até chegar ao hospital e o Sol me abrasa a vista e me aquece o âmago, é também um pouco assim que me sinto.
Diz que é na quinta que neva.
On verra.
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